Falta de remédios, alimentos e salário: crise na saúde em Fortaleza afeta pacientes e funcionários
Usuários do sistema de saúde municipal de Fortaleza relatam precariedade nos serviços. Ministério Público cobra respostas da prefeitura. Crise na saúde e...
Usuários do sistema de saúde municipal de Fortaleza relatam precariedade nos serviços. Ministério Público cobra respostas da prefeitura. Crise na saúde em Fortaleza tem impactado pacientes e funcionários Thiago Gadelha/SVM Falta de materiais básicos e medicamentos, funcionários com salários atrasados, interrupções na realização de cirurgias e até pacientes que ficaram sem ter o que comer. Os episódios formam um cenário de colapso na saúde pública de Fortaleza nas últimas semanas, conforme relatos da população e dos trabalhadores do setor na capital. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Unidades de diversos perfis e porte têm enfrentado crises: postos de saúde, policlínicas, unidades de urgência e hospitais de alta complexidade. Dentre eles, o Instituto Dr. José Frota (IJF), o maior hospital municipal da cidade. A circulação de ambulâncias também foi comprometida na última semana. A sensação é de ‘matar um leão por dia’, conforme Quintino Neto, presidente do Sindsaúde Ceará. ‘A gente consegue resolver um problema e surgem dois. É uma situação exaustiva para nós, do sindicato que está presente para os profissionais da linha de frente dessa guerra”, comenta. Nesta sexta-feira (13), o Ministério Público do Estado do Ceará instaurou inquérito civil público após receber denúncias sobre a falta de alimentos no IJF, relatado por pacientes e funcionários na última semana. Segundo o órgão, a Secretaria Municipal da Saúde recebeu prazo de 72 horas para responder ao MP. O órgão também solicitou, nesta sexta-feira (13), que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) faça uma inspeção imediata na Prefeitura de Fortaleza e em unidades de saúde. O objetivo é avaliar o cumprimento da transição de governo, com atenção ao repasse de informações entre a atual gestão, do prefeito José Sarto (PDT), e a próxima, do prefeito eleito Evandro Leitão (PT). Na solicitação, o MPCE também inclui uma inspeção do IJF. “A finalidade é averiguar possíveis impactos no funcionamento da unidade em razão de eventual omissão ou falta de informações para garantir a continuidade administrativa e operacional da unidade”, diz o órgão. IJF tem sido um dos principais pontos de denúncia nas últimas semanas, mas não é o único Thiago Gadelha/SVM Dificuldades pela falta de abastecimento Profissionais de diversos setores têm relatado aos sindicatos a exaustão por tentar trabalhar em unidades que enfrentam problemas de abastecimento. Como exemplifica Plácido Filho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço de Saúde de Fortaleza (Sintsaf), os profissionais percebem que não há como fazer cirurgias quando faltam insumos (como luvas) e remédios (como anticoagulantes). “Isso é muito preocupante porque é ruim para o servidor, para o paciente e para os acompanhantes… Falta o medicamento, faltam luvas, faltam lençóis, faltam antibióticos, falta o remédio para a dor”, enumera Plácido, fazendo referência às situações vivenciadas no IJF. Além de descontinuar a realização de cirurgias, a crise atual tem atingido também exames laboratoriais em unidades como o Hospital da Mulher, aponta Plácido. Dentre os casos acompanhados pelos sindicatos, houve também a situação de ambulâncias do SAMU que ficaram paradas na terça-feira (10) por conta da falta de pagamento da Prefeitura à empresa que aluga os veículos e fornece motoristas, combustível e manutenção. Ambulâncias paradas em Fortaleza por falta de pagamento Reprodução Repasse de verbas federais Em meio às crises por atrasos de pagamentos para funcionários terceirizados e problemas estruturais, o governo federal liberou, na segunda-feira (9), o recurso de R$ 19,1 milhões para o IJF e a Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Na sexta-feira (13), a Secretaria Municipal da Saúde informou que o Fundo Municipal da Saúde recebeu o valor. O total de R$ 9,6 milhões deve ser repassado diretamente ao IJF com previsão de transferências “nos próximos dias”, segundo a pasta. O repasse para a Santa Casa, no total de R$ 9,5 milhões, dependia de assinatura de termo aditivo, que estava em trâmite na sexta-feira (13). Após esta etapa, o processo de contratualização deve ser publicado no Diário Oficial do Município. “A SMS ressalta que, desde o ano passado, iniciou diálogos contínuos com o Ministério da Saúde acerca da revisão da verba federal para as ações de Média e Alta Complexidade (MAC) do Instituto Dr. José Frota (IJF), sendo uma reivindicação antiga da Prefeitura”, diz a pasta em nota. A Secretaria reforça, também, que o repasse feito pelo Ministério da Saúde tem parcela única, sem previsibilidade de continuidade. Desta forma, a verba não representa aumento no financiamento da unidade. Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza vai receber verba federal Santa Casa/Divulgação Dia sem comida e espera por cirurgias Por causa de um acidente de trânsito no município de Pentecoste, no interior do Ceará, a dona de casa Ana Brito de Menezes, de 53 anos, está internada no IJF desde o fim de novembro com cinco fraturas. A filha de Ana, a autônoma Juliana Andrade, de 38 anos, partilha o sentimento de revolta pelo que tem vivenciado como acompanhante na unidade. “É um descaso total o que estão fazendo não só com a minha mãe, mas com todos os pacientes. Ontem (quinta-feira) a gota d’água foi deixar os pacientes sem refeição. E o pior de tudo é que a gente não pode entrar com nenhuma refeição. Eu entendo, devido à chance de infecção, de bactéria hospitalar… Tudo isso a gente entende. Mas com a situação atual, vão deixar os pacientes com fome? A gota d’água foi isso”, desabafou. Atualmente, Ana está na enfermaria à espera de pelo menos quatro cirurgias, que não têm previsão de acontecer. A primeira, por conta da fratura na bacia, foi realizada na última quarta-feira (11). Segundo a filha, o clima é de tensão entre pacientes que esperam os procedimentos e convivem na unidade com problemas estruturais. Ela aponta também a falta de insumos básicos na unidade, tendo precisado comprar algodão, álcool em gel e fraldas para poder ajudar nos cuidados com a mãe. “Tenho amigas que trabalham lá dentro. Elas fazem cota, fazem rifa entre elas para poder levar o básico para os pacientes mais necessitados, pessoas que não têm quem compre alguma coisa, que não têm acompanhantes”, relata Juliana. Com a ausência de perspectivas, a autônoma teme passar as festas de fim de ano ainda dentro da unidade com a mãe. Perguntada pelo g1 sobre a interrupção de cirurgias, a direção do IJF respondeu, por meio da Secretaria Municipal da Saúde, que os procedimentos de urgência e as cirurgias eletivas continuam acontecendo normalmente. Protesto por comida no IJF ocorreu nesta quinta-feira (12) Thiago Gadelha/Sistema Verdes Mares (SVM) Na quinta-feira (12), parte dos trabalhadores do IJF fez paralisação para denunciar a falta de refeições na unidade. Segundo o presidente do Sindsaúde, Quintino Neto, profissionais relataram que a situação começou a normalizar no dia seguinte ao protesto. A direção da unidade informou que a situação das refeições destinadas a pacientes internados, acompanhantes e funcionários foi normalizada na sexta-feira (13). “A SMS reforça que está em contato direto com o fornecedor e adotando todas as medidas necessárias para garantir a regularização definitiva do serviço”, diz a nota. Sem medicamentos ou orientações Pacientes que convivem com o vírus do HIV relatam a dificuldade de conseguir medicamentos nas unidades municipais. Um destes pacientes, que foi ouvido pelo g1 e preferiu não ser identificado, não conseguiu retirar remédios essenciais para o tratamento do companheiro, que é soropositivo. Morador do bairro Vila Velha, ele explica que a medicação para o tratamento do companheiro é normalmente obtida na policlínica Dr. Lusmar Veras Rodrigues, no bairro Jóquei Clube. Os remédios, que precisam ser tomados diariamente, incluem a lamivudina e o tenofovir, que se combinam para tratar a infecção por HIV em adultos. Policlínica Lucas Veras Rodrigues, em Fortaleza, estava com a farmácia fechada por falta de funcionários Prefeitura de Fortaleza Na quinta-feira (12), eles foram até a unidade, que estava com a farmácia fechada. Eles não conseguiram também orientações de onde buscar os medicamentos. “Só tinha uma recepcionista informando pra todo mundo que, desde segunda-feira, o atendimento na policlínica estava zerado, não tinha nenhum atendimento. Não tinha nenhuma pessoa responsável pela farmácia para entregar os medicamentos”, relata. Por fazer o tratamento no Hospital São José, na Parquelândia, o companheiro do paciente foi até a unidade em busca de uma alternativa. Eles foram informados que a procura na unidade havia aumentado por causa dos problemas nas policlínicas. “É um absurdo. Quem é que vai se responsabilizar por esses pacientes que fazem tratamento lá? É um tratamento muito importante e que a gente não pode deixar de lado. É a vida das pessoas… quem vai se responsabilizar? Muitas pararam o tratamento por causa disso”, denuncia o paciente. Em resposta ao g1, a SMS afirmou que a policlínica Lusmar Veras está funcionando normalmente. “No entanto, algumas ausências pontuais de profissionais têm sido registradas. Reconhecemos que a ausência de alguns profissionais pode ocasionar impactos no atendimento”, diz a nota. A pasta informou, ainda, que se compromete em solucionar pendências e que está adotando medidas para regularizar a situação com a maior agilidade possível. Paralisações e problemas que continuam Dentre os problemas das policlínicas municipais, está o atraso de pagamento para funcionários que atinge diversas unidades de Fortaleza. Para esta segunda-feira (15), estão previstas novas paralisações de profissionais contratados por duas organizações sociais, aponta Quintino Neto, presidente do Sindsaúde. As organizações são a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e o Instituto Viva Rio, que gerem unidades como policlínicas, Hospital da Mulher, Hospital Nossa Senhora da Conceição, Gonzaguinha da Messejana, UPAs da Vila Velha, do Cristo Redentor e do Bom Jardim. “São diversos equipamentos, uma camada enorme de trabalhadores que está sendo afetada pela ausência de repasses pela Secretaria Municipal de Saúde”, explica Quintino. Em nota, a Secretaria informa que o último repasse para o Instituto Viva Rio, responsável pelas três UPAs, foi realizado em referência ao mês de outubro, no valor de R$ 5,9 milhões. “O pagamento referente ao mês de novembro já está em trâmite e será regularizado o mais breve possível”. Até a publicação desta reportagem, não houve retorno da pasta sobre os pagamentos referentes à SPDM. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará: